segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Saúde: Direito de todos e dever do Estado

Quando se fala em saúde, a primeira coisa que vem à cabeça é o cuidado com a vida, que na maioria das vezes, significa a diferença entre o estado material e a morte. O presente texto tem como objetivo demonstrar que os cuidados com a vida, em especial com a saúde, são deveres do Estado, já que num conceito bem mais amplo, o direito à vida já é garantido independente da existência ou não de qualquer legislação. Numa análise filosófica, podemos observar que a vida não é simplesmente o oposto da morte, mas possui elemento atraente proporcional e diretamente ligado ao tempo. Noutras palavras, pode-se dizer que a vida possui dimensões temporais. Nascer, crescer, reproduzir, envelhecer e morrer.
O ciclo da vida ensinado nas escolas pelos estudiosos da biologia, senão a própria ciência que estuda a vida, merece uma percepção mais profunda, para então compreendermos o interesse do Estado na proteção da vida, mediante cuidados com a saúde.

Numa análise não muito profunda, pode-se afirmar que a vida é um processo que conduz o indivíduo do passado para o futuro, e se extingue pela morte. Há quem defenda que ela exista após essa linha tênue que separa o pleno funcionamento do organismo no encerramento de sua tarefa mundana. Entretanto, numa análise um pouco mais profunda, ainda no aspecto temporal, é mais seguro definir vida como um modelo que afeta o nível, a duração, a mudança, os limites e as orientações de se imaginar o mundo.

Isso é um paradigma entre o conceito de vida para a biologia e as ciências sociais. Antes ainda de adentrar no âmago da questão ao qual o texto se propõe, faz ainda necessário observarmos o significado de vida por meio das nomenclaturas, numa análise etimológica, senão pela própria confusão entre o termo e o conceito saúde em significância pelo cuidado com a própria vida.

No hebraico o termo vida (hayyim) não significa o estado dos que não ultrapassaram os limites mundanos pelo caminho da morte, mas sim, ao tornar saudável ou libertar do mal. Num conceito muito mais amplo e rico que os ideais ocidentais, para etimologia hebraica, vida significa chegar à plenitude, física, mental e religiosa. Tanto é verdade essa afirmativa, que na tradição bíblica significa força, sopro e respiração, diretamente ligada àqueles que inspiram e respiram, ou seja, vida em plena harmonia.

É desse conceito que tiramos melhor proveito para entendimento deste trabalho, vida como conjunto harmônico dos órgãos, trabalhando em sua plenitude, otimizando cada uma das funções a que foram desenvolvidos. Cuidar da saúde como forma de preservar a vida é o mesmo que resgatar os significativos originários, tanto da cultura oriental como da ocidental, tornando inabalável o elo entre tempo e universo, afinal, a vida está também ligada ao tempo.
Talvez até de forma inconsciente, o legislador brasileiro, ao elaborar um dos mais belos textos legais do mundo, senão a própria Constituição da República de 1988, dentre outras formas, privilegiou os cuidados para com a vida em plena observância da central razão de existir: a saúde como forma de evitar a morte e brindar à vida. Podemos observar, bem no início, onde os ideais do Contrato Social ainda estão por emergir, senão pela própria forma constitutiva, o legislador entabulou, como direito basilar e princípio que sustenta a república, a dignidade da pessoa humana.
Não precisa de qualquer instrução para perceber que a dignidade de uma pessoa está diretamente ligada a qualidade de vida que tem, marcando assim a saúde em boas condições como elemento primordial para defesa pelo Estado Brasileiro.

Seguindo de forma progressiva, no art. 6° também podemos verificar, de forma específica, a determinação constitucional pela garantia à saúde, numa forma, clara e objetiva, de personificar a dignidade humana, in verbis: “Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Dentro da técnica jurídica, estes dois dispositivos seriam suficientes para garantir cuidados da saúde como forma de proteção da vida. Mas devido a sua importância, tanto pelo conceito da biologia como o estado distinto da morte, como aquele dado pela filosofia, como cordão condutor do tempo, o legislador ainda, mais especificamente, decidiu incluir essa preocupação em mais um momento importante do texto constitucional, no art. 196, veja: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Este dispositivo mudou significativamente a vida, em todos os seus significativos, dos brasileiros e estrangeiros que moram no Brasil, senão pela própria impessoalidade do sistema.Pessoas com dificuldades de custear seus tratamentos, ou em virtude dos elevados custos, ou senão pela própria precariedade do sistema de saúde, buscam na Justiça a garantia de se fazer cumprir seu direito constitucional à saúde como forma protetiva da vida. O Poder Judiciário, que pode às vezes tardar, nessas pretensões não vem falhando, garantindo ao povo o direito aos tratamentos de saúde adequados e determinando ao governo que custeie seus remédios.
Nas grandes religiões, a vida é uma dádiva divina que iniciou com um sopro. Na bibliografia grega vida está ligada aos feitos heróicos de pessoas atléticas e sábias que desafiaram os Deuses. No Brasil, encontramos uma junção dessas proposituras, já que a
Constituição de 1988 é o resultado de lutas e reflexos que passam desde a Revolução Francesa até os resquícios do militarismo, do povo contra aqueles que se faziam acreditar deuses (com letra minúscula mesmo).
E se não é o bastante, sabendo que a saúde é dever do Estado, a precariedade para com os tratamentos ainda é uma constante nos noticiários, então o sopro divino que teria dado origem a tudo, é mais necessário agora do que nunca, senão quem está morta é a própria letra da Constituição.

Por Marco Túlio Elias Alves, Publicado no Informativo Consulex nº 32

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